quinta-feira, 21 de outubro de 2010

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O que o poeta deseja ao namorado no dia de seu aniversário


Quisera eu que você fosse grande e gordo
como uma baleia, ou melhor, um cachalote
(o que evitaria que eu tivesse
que abster-me dos seus dentes),
cujo coração é do tamanho de um Fusca,
assim quem sabe eu arriscasse viagens,
não com você ou a seu lado, o que faz
sempre com que a visão de sua crista
ilíaca e nuca
desvie, redirija ou distraia a atenção
que eu deveria dedicar à arquitetura
e à paisagem,
mas pudesse, como um Jonas felizardo
e voluntarioso, viajar em você, alojado,
confortável em seu miocárdio,
massageado pelo inflar metódico
dos seus pulmões,
entrincheirado (feito um presidiário
que imaginasse o exterior como estado
de calamidade e sítio) entre as grades
simétricas de sua caixa toráxica,
e desta forma inaugurasse
nossa colaboração, simbiose compulsante
e vitalícia,
nunca mais comensal de farelos e migalhas
de machos-alfa ou
godfathers,
e doravante
não mais sofresse a dependência
dos movimentos voluntários
alheios
para exercitar no amante meus cinco sentidos,
ou acabar, como sempre dantes, forçado,
com minha própria mão febril
sobre minha própria testa,
a constatar e provar a mim mesmo
a minha febre,
pois relegaria a você, moço,
a regulação e constância da nossa temperatura,
mesmo que hoje me contente, corregente e duplo,
com esta pressão arterial e taquicardia
de beija-flor, cuitelo,
com meus cerca de 1,260
batimentos cardíacos por minuto
quando sobrevoo seu rosto,
como se este fosse a cara amarelada
de uma angiosperma polpuda e melosa,
pois eu também, moço,
tal qual esta espécie
de pássaros rapidíssimos
e glutões, estou sempre a meras horas
de distância da amorosa inanição.



Ricardo Domeneck. Berlim, 17 de outubro de 2010.