sábado, 7 de abril de 2012

O Gato

Queria te encontrar só pra ficar em silêncio contigo. Tomar, talvez, uns 4 ou 5 tragos de conhaque e nicotina, contemplar o caos e tentar desembaraçar um pouco teu coração dos meus cabelos.Quando eu cheguei à estação o trem já havia partido. Tudo bem. Eu me acostumei com as coisas sempre acontecendo sem mim; é que lá de trás, daquela mesa nos fundos do bar, não dá pra ver muita coisa. Só lembro de ter te visto passar, com uma sacola de livros e um gato morto dentro da valise. O gato eu só vi depois, quando você se sentou e perguntou que porra era aquela que eu tava lendo. “É um jornal, oras.” – respondi. E me espantei com o fato de um cara segurando uma valise ter se sentado na minha mesa. “Foi atropelado” – você disse. “Por um carro?” “Não, pela vida”. Só então descobri que há uma semana você não alimentava o animal. “Não gosto de plantas e nem de nada que respire tão quietamente”. Não sei por que, mas eu me apaixonei naquele momento. Logo depois você pagou a conta e disse “Vamos enterrar esse desgraçado!”. Era uma noite fria, e apesar de úmida a terra estava dura pra diabo fazendo com que eu arrebentasse algumas unhas. Acabado o serviço, você me jogou contra uma caçamba no meio dos escombros, entre baratas e ratazanas farejando carniça. Depois me levou de volta, pagou mais uma bebida e se foi, entediado. Eu ainda permaneço aqui, sentada e aflita nos fundos de um bar. Você partiu. Virou as costas e calmamente se foi, carregando na valise pedaços da minha devoção quieta e asfixiada.


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